Mudamos de Casa

O Papo na Estante está de casa nova!

O Papo cresceu e, como não podia ser diferente,  esse espaço ficou pqno para abarcar toda a nossa necessidade.  Montamos um Blog com domínio próprio para melhor desenvolver nossas conversas e cositas mais!

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OS FATOS E SUAS VERSÕES

Quando era garoto, tirei a sorte grande de começar a leitura de Agatha Christie por três livros geniais, O assassinato de Roger Ackroyd, O caso dos dez negrinhos & Cinco porquinhos, todos com ousadas soluções narrativas e insuperáveis finais para seus mistérios. Na semana passada, comentei um dos dois lançamentos que a traziam de volta com destaque às livrarias. Faltava o outro: a nova tradução de Cinco Porquinhos (1943), o qual, revisto hoje, pode ser considerada a obra mais perfeita e intrincada da grande escritora inglesa.

Trata-se de um “cold case”: Hercule Poirot é contratado pela bela Carla Lemarchant para investigar o assassinato (por envenenamento) do seu pai, Amyas Crale, um célebre pintor, dezesseis anos antes, crime pelo qual a mãe foi condenada.Tudo aconteceu num verão: Caroline Crale ia ser abandonada pelo marido, boêmio e mulherengo, por uma jovem, Elsa Greer, filha única de um industrial. Ela estava a essa altura hospedada na casa dos Crale porque Amyas pintava um retrato dela, fascinado com seu atrevimento e sua juventude. Além deles, havia por perto os irmãos Blake, Philip & Meredith, e Angela Warren, meia-irmã de Carolina, que, criança, fora desfigurada por ela durante um ataque de fúria, além da indefectível governanta inglesa solteirona, Cecília Williams. São eles os “cinco porquinhos” da canção infantil (o que foi ao mercado, o que ficou em casa, o que comeu rosbife, o que não comeu nada e o que gritou ui,ui,ui).

O excepcional na construção narrativa de Cinco Porquinhos, e que permite que vejamos agora Agatha Christie como uma autora ainda muito moderna, é que a trama é repassada inúmeras vezes, parece até um Ano Passado em Marienbad do mistério, parece que o espírito de Alain Resnais(o cineasta que não gosta de enredos unívocos) pairava sobre a criadora de Poirot. Mas basicamente, os acontecimentos são revividos em dois feixes principais: quando o detetive belga entrevista os envolvidos (após ter procurado autoridades legais, advogados, etc); e depois quando cada um deles exercita com sua própria “voz” uma narrativa em primeira pessoa dos eventos da morte de Amyas Crale. Para que, no terceiro ato, Poirot possa reconstruí-los e dar novo significado ao conjunto. As cinco narrativas em primeira pessoa dos “porquinhos” são um tour-de-force, o melhor da sua carreira. E o desfecho (a solução do crime) não poderia ser mais perfeito.

De qualquer forma, passada a surpresa da revelação, o que fica claro (e que motiva a releitura) é que um evento pode ser contado, recontado, subdividido em mil versões: será sempre interessante e inédito. É muito diferente ouvir as versões dos porquinhos em seus colóquios com Poirot e depois quando eles tomam da pena para tentar organizá-las por escrito: “Tenho só uma vaga lembrança de dias de verão, e incidentes isolados, mas não poderia dizer ao certo nem sequer em qual verão eles aconteceram!… E, misturadas com novas descobertas, ainda havia todas as coisas que eu gostava de fazer desde quando consigo me lembrar”. A narrativa impressionista de Angela Warren em contraste com as outras, mais objetivas, mais sentimentais, mais rancorosas, ou mais mentirosas.

E, no fim, mesmo com a atuação ordenadora do maior detetive da ficção, ficamos com a seguinte convição: tudo é versão.

Papo na Estante 07 – J. R. R. Tolkien

tolkien

Hoje, Thiago Cabello, Ana Carolina e Eric Novello e Antônio Augusto Shaftiel, conversam sobre o ícone da literatura de fantasia. O mito, J. R. R. Tolkien. Quais os objetivos desse grande autor? Como tudo começou? Tudo isso é discutido nesse podcast que é só uma pincelada sobre mestre de Oxford, criador da grande saga, O Senhor dos Anéis.

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Shaftiel:  Blind Guardian

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O SENHOR DA FICÇÃO

I

Cultuado há quase meio-século, O Senhor dos Anéis não depende de nenhum modismo e nem dos Oscars ganhos por Peter Jackson, embora sua trilogia cinematográfica seja uma empolgante síntese da literária, evitando tanto o ritmo frenético de videoclipe que governa produções como Armagedon quanto as lutas coreográficas com piruetas voadoras (a coqueluche do momento, uma espécie de redução da ação cinematográfica ao Cirque du Soleil), do tipo O tigre e o dragão, e dando surpreendente espaço aos intérpretes: quem poderá dissociar agora Gandalf de Ian McKellen, Bilbo de Ian Holm, Galadriel de Cate Blanchett ou Sam do estupendo Sean Astin, só para citar os mais admiráveis?

Ainda assim, o grande público, que se contentar com o filme, não terá a chance de se deliciar com as idiossincrasias de cada região do Condado (onde vivem os Hobbits), de forma que cada um acha o vizinho esquisito e suspeito (e isso é tão inglês!). Os fãs do livro lamentam também a ausência das intrigas e fofocas que envolvem a herança de Bilbo, os Sacola-Bolseiros e sua matriarca, Lobélia, que ficam muito felizes quando Frodo (o herdeiro oficial) tem de “cair no mundo” alguns anos após tornar-se o “portador do anel”, procurado por Sauron, o Senhor do Escuro.

O anel contém o Mal e é preciso destruí-lo. Frodo tem de atravessar a Terra Média, na qual convivem (conflituosamente) elfos, anões, magos, homens (e também criaturas malévolas como os orcs, os espectros do anel, os trolls, os balrogs), formando com um representante de cada “raça” a Comitiva do Anel (ou fraternidade, ou Confraria, mas nunca o chocho “Sociedade” do título nacional), fadada a se desfazer pelo que vem do exterior (há vários ataques inimigos, num dos quais, nas minas de Moria, sucumbe – aparentemente—o mago Gandalf, aquele que alertou Frodo do perigo do anel e era o líder espiritual do grupo) e pelo que vem do interior (a forma maléfica como o anel age sobre Boromir, por exemplo).

No final, apenas Frodo e seu inseparável Sancho Pança, o maravilhoso Sam (na verdade, evocativos também da dupla clássica de Charles Dickens, o sr. Pickwick e seu criado “cockney” Sam Weller), prosseguem a jornada para a destruição do símbolo do poder de Sauron. Diga-se de passagem, o filme não aclarou muito bem a relação senhor-serviçal, a diferença social (e de idade) que existe entre os dois, e como ela é eliminada pela dedicação e companheirismo de Sam.

O Senhor dos Anéis é uma aventura geográfica: saindo do seu mundo tranqüilo, os hobbits (além de Frodo e Sam, os arrumadores-de-confusão Merry e Pippin, que parecem ter fugido do mundo das comédias de Shakespeare, e que terão suas próprias aventuras no resto da trilogia) conhecem novas terras, povos das quais tinham uma noção errada ou imprecisa, costumes e valores diferentes. Tolkien não nos poupa de abundantes descrições. Felizmente. Elas são essenciais para penetrar no espírito de alteridade, de estar em outro lugar e penetrar em outra forma de vida e de ver a vida (uma concepção que será utilizada em larga escala por Star Trek e todos os seus “filhotes”).

Também é uma aventura lingüística: a salvação da Terra Média depende da memória (ou da união de vários fragmentos de memórias), dos conhecimentos acumulados por gerações e transmitidos por canções (a sobrevivência de povos inteiros muitas vezes acontece através delas). Gandalf consegue abrir o portal de Moria por lembrar-se de uma palavra antiga e informações preciosas acham seu lugar no momento presente através das canções e lendas comentadas pelos personagens.

Nos dois planos (o geográfico e o lingüístico), assim como a Rainha Galadriel com a Comitiva do Anel, Tolkien nos prende numa teia de encanto e inquietação, colocando-nos num ritmo diferente do quotidiano. Ele deve ter escrito O Senhor dos Anéis seguindo a filosofia dos elfos: “colocamos o pensamento de tudo que amamos nas coisas que fazemos”.

II

As Duas Torres, segundo volume de O Senhor dos Anéis, consegue ser mais fascinante ainda que o primeiro, chegando a um ponto de tensão, nos seus últimos capítulos, que não permite mais ao leitor parar a leitura, sem contar que o final nos arremessa para a leitura do terceiro, sem fôlego.

Como os outros, é dividido em duas partes. Na primeira, Gandalf reaparece e se reúne a Legolas, Gimli e Aragorn (sobre o qual insinuações sutis vão delineando uma posição-chave na resolução da trama), três membros que sobraram da dissolução da Comitiva do Anel, envolvendo-se na guerra dos Cavaleiros de Rohan contra Saruman; por outro lado, os hobbits Merry e Pippin, que haviam sido capturados pelos orcs, escapam e conhecem o singularíssimo povo dos ents, seres meio-árvores (alguns dos momentos mais inesquecíveis do romance de Tolkien pertencem a eles), também engajados contra o mago traidor, e que o deixam aprisionado na torre de Orthanc. Como esquecer a batalha do Abismo de Helm?

Na segunda, reaparecem Frodo e Sam Gamgi, que conseguem penetrar em Mordor (a terra do Mal), tendo como guia o antigo possuidor do anel (perdeu-o para Bilbo), o patético e repulsivo Gollum. Este os atrai para uma armadilha (pois é obcecado em tomar de volta o anel, que o consumiu e colocou-o na condição miserável na qual se encontra, mas que o mantém sob uma espécie de “quebranto” esquizofrênico) e os deixa à mercê de Laracna, a senhora de um túnel que seria a única passagem viável dentro de Mordor para que se efetivasse a missão de destruir o malfadado anel.

Só para o leitor ter uma idéia da enrascada: Sam Gamgi torna-se o portador do anel! Mais ainda: torna-se um personagem cada vez mais maravilhoso (e isso é um feito num romance onde não faltam personagens fortes), que por si só mereceria uma resenha.

As imagens do livro também vão ficando mais demoníacas (no sentido de Northrop Frye, em que a realidade contraria os desejos humanos e a paisagem se torna ameaçadora) e inquietantes, com seres primordiais emergindo das sombras, como os ents e Laracna (que são simétricos, assim como vários outros elementos de O Senhor dos Anéis. Aliás, o estilo vai ficando mais e mais sombrio e é inimaginável que alguém possa confundi-lo, como tantos fazem, com uma história juvenil. Veja-se a caracterização de Laracna: “só desejava a morte para todos os outros, mentes e corpos, e para si uma fartação de vida, solitária, inchada até que as montanhas não mais conseguissem abrigá-la, até que a escuridão não a pudesse conter”.

Como resgate majestoso das “estórias romanescas” (o equivalente profano—por exemplo, o ciclo dos cavaleiros da távola redonda—do mito, o qual é basicamente religioso, como nos ensinou Frye, que curiosamente não era muito apreciador da obra de Tolkien), O Senhor dos Anéis utiliza uma de suas táticas básicas: os heróis vão descendo a um “inframundo”, ao lado negro da realidade, a única forma de realcançar a unidade perdida, a estabilidade cíclica do mundo (regida pela mudança das estações), quebrada pela intervenção do Mal, que também condena os seres à extinção (é o que sentem os elfos e os ents) ou à diminuição de estatura (como sente Faramir, representante do legendário povo de Gondor: “Nós nos tornamos homens médios, do crepúsculo, mas com a memória de outra realidade”, parece que estamos escutando o discurso de um Riobaldo). Os burgueses e até então acomodados hobbits surgem como a grande novidade (tanto que na lista de povo dos ents eles nem aparecem) e por isso sua intervenção é decisiva.

O próprio corpo do herói deve sofrer nessa travessia. Já vimos o ferimento que o rei dos Nâzgul infligiu a Frodo em A Sociedade do Anel. Agora ele é envenenado por Laracna de uma forma que se assemelha à morte. O herói, neste momento, é como o mundo: está envenenado, conspurcado, e precisa restaurar-se. Mas ainda temos um volume inteiro pela frente.

III

Terceiro e último volume de O Senhor dos Anéis, com quase oitocentas páginas atrás de si, O Retorno do Rei corria o risco do anticlímax, após o fôlego épico inaugurado pelo primeiro (A Sociedade do Anel) e a intensidade alcançada pelo segundo (As Duas Torres), principalmente porque os dois fatos centrais do enredo, a destruição do anel por Frodo e o reconhecimento de Aragorn como legítimo rei da Terra Média, acontecem bem antes do verdadeiro final.

Mas é aí que J.R.R. Tolkien se mostra O Senhor da Ficção, demonstrando controle total sobre o universo que criou e centralizando a narrativa em duas situações desesperadoras:

1) As forças que se opõem a Sauron, o Senhor de Mordor, acabam sitiadas em Gondor. Nesse sítio, perecem Théoden, rei de Rohan (um personagem portentosamente shakesperiano), e ficam gravemente feridos Faramir (irmão de Boromir), Éowyn, a sobrinha de Théoden, que é apaixonada por Aragorn e que se disfarçou de homem para lutar (um recurso bastante comum no gênero épico, a figura da “donzela guerreira”, resgatada também por Guimarães Rosa em Grande Sertão : Veredas, aliás contemporâneo de O Senhor dos Anéis ), alem de Merry, um dos quatro hobbits que se “lançaram no mundo”.

Confirmando a impressionante unidade do enredo (que em nenhum momento se dispersa no episódico), a espada que o hobbit trouxe da sua experiência de ser enterrado vivo na Colina dos Túmulos (um capítulo de O Senhor dos Anéis que não aparece na versão de Peter Jackson) é justamente aquela que tem o poder de ferir o líder dos Espectros do Anel, o mais ameaçador dos subordinados de Sauron;

2) Frodo e Sam juntam-se novamente e tentam alcançar a Montanha da Perdição, apesar do desgaste físico, mental e espiritual de Frodo, causado pelo anel. Não somos poupados de nenhum quilômetro, quase que do mínimo passo nessa árdua jornada, para a dupla e para os leitores, e seria difícil imaginar que fosse reproduzida pelo filme (mas é; é bom que se diga que no cinema atual só uma obra-prima como o primeiro Matrix pode se comparar ao empreendimento de materializar em imagens o mundo de Tolkien).

E, de repente, o desenlace dos acontecimentos parece levar o livro a um tom triunfalista, no mesmo estilo que estragou as últimas cenas da bela fantasia O feitiço de Áquila, onde a vitória dos “bons” é tão apoteótica e ruidosa que acaba irritando. Só que isso é só um alívio passageiro. E precário. As últimas páginas de O Senhor dos Anéis (após a deliciosa mistura de aventura e comédia, bem cervantina, que marca a volta dos quatro hobbits à sua terra natal, o Condado, atando as pontas da narrativa) são a culminação de um tom que já se pressentia nos outros volumes e que já rendera um dos casais românticos mais melancólicos da literatura (Faramir e Éowyn): o de profunda tristeza.

Uma nova era começou no mundo, algo acabou, a aventura foi apenas o lado colorido da grande melancolia que envolve quem sobreviveu ou ficou (como a rainha Arwen, amada de Aragorn) e os que partem desse admirável mundo novo, como os elfos, Gandalf, e até a dupla dos portadores do anel, Bilbo e Frodo, que, num momento pungente de despedida, explica a necessidade de partir da seguinte forma para o seu fiel (e inesquecível) Sam Gamgi: “Muitas vezes precisa ser assim, Sam, quando as coisas correm perigo: alguém tem de desistir delas, perdê-las, para que outros possam tê-las”. Felizmente, há o seu fiel Sancho Pança (não é à toa que ele é chamado de “hobbit gorducho”), Samwise Gamgi, aquele que no final da saga será o sal da terra e herdará como presente o futuro.

Entretanto, ao cabo de mil e tantas páginas, mesmo com toda a tristeza (“que apesar disso era abençoada e sem amargura”), cumpriu-se à risca o que é prometido pelo título completo do livro: “Aqui está contada a história da guerra do anel e do retorno do rei, conforme visto pelos hobbits”. A sorte é que após diversas edições anódinas, quando não decepcionantes, em brochura, a Martins Fontes lançou uma incrivelmente bonita edição dos três tomos (mais O Hobbit) em capa flexível, na qual todo o projeto gráfico faz enfim justiça à criatividade do grande autor inglês. Pode parecer frivolidade, mas também em livro a parte visual de O Senhor dos Anéis é muito importante.

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Testo do Prof. Dr. Alfredo Monte para o jornal “A Tribuna” – ano 2001-2002


Leite Derramado

“Ouça um bom conselho, que eu lhe dou de graça: inútil


dormir que a dor não passa” (Chico Buarque)


Maior poeta da MPB (junto com Caetano Veloso), pelo menos para a minha geração, Chico Buarque, aos 65 anos, está em plena forma para reivindicar o posto de maior prosador brasileiro contemporâneo. Cada um dos seus romances representou um grande avanço com relação ao anterior e no quarto, Leite Derramado (Companhia das Letras, 195 páginas, R$ 36), praticamente chega à maestria absoluta.


Leite Derramado é narrado por um centenário (“a memória é deveras um pandemônio, mas está tudo lá dentro, depois de fuçar um pouco o dono é capaz de encontrar todas as coisas. Não pode é alguém de fora se intrometer, como a empregada que remove a papelada para espanar o escritório. Ou como a filha que pretende dispor minha memória na ordem dela, cronológica, alfabética, ou por assunto”), cuja existência foi uma interminável sobrevida com relação à riqueza e prestígio de sua família no Império e na Primeira República, antes da queda das fortunas do café em 1929.

O hipnótico encanto da narração reside na dosagem exata de registros: ao mesmo tempo em que é garganta, jactancioso, que exagera seus foros de nobreza (está num hospital e não pára de falar), Eulálio d`Assumpção nos revela seu desamparo ao cabo de uma trajetória que vai do empobrecimento paulatino até a pauperização completa ao lado da filha, esta última uma mala sem alça que só se mete com desclassificados e dançados de ambos os sexos, os dois morando num puxadinho ligado a uma igreja evangélica situada nuns ermos onde antigamente ficava a fazenda de propriedade da família: “Porque talvez tivesse a intuição de que em breve os tempos seriam outros, e meu pai jamais se prestaria a permanecer num tempo que não era o seu. Sua fortuna no estrangeiro estava para evaporar, e não consigo imaginá-lo sem suas viagens anuais à Europa, seus hotéis, restaurantes e mulheres de primeira classe”.

Um pouco Dom Casmurro (com a obsessão pela fugidia esposa, Matilde, e pelo desejo de atar as pontas da vida, que também movia Bentinho, além da desfaçatez de quem já foi da elite), um pouco O Coronel e o Lobisomem (com o relato de como uma fortuna é atacada por todos os lados enquanto seu possuidor se auto-mistifica), um pouco Malone Morre (com a tradicional saga familiar de decadência e conflito de gerações transformando-se numa espécie de pesadelo de moribundo e narração enovelada, na qual a vocação épica e totalizante da arte de contar histórias se despedaça), no entanto Chico se desprende de quaisquer vinculações com essas obras marcantes de Machado, José Cândido de Carvalho ou Samuel Beckett, ou outra que nos ocorra, devido às suas peculiares soluções criativas e, sobretudo, à sua inacreditável “leveza”. O resultado é crudelíssimo, mas incrivelmente gostoso de ler, um estilo que só três ou quatro escritores da atualidade podem igualar: “A verdade é que sem sua mãe, o chalé outrora tão solar foi se deteriorando… Na época, eu frequentemente amanhecia inquieto, ia acordá-la para verificar o que restava de Matilde no seu rosto. Não era loucura minha, a Balbina também notava que cada dia você perdia mais um traço da mãe, e nesse passo já perdera todo o desenho original da boca, fora o negro dos olhos e a tez acastanhada. Era como se, na calada da noite, Matilde passe para buscar suas coisas no rosto da filha, em vez dos vestidos no armário ou dos brincos na gaveta”.

Além disso, dois poderosos panos de fundo avultam na narrativa de Eulálio: o Rio, que passa diante de nós, célere, em cem anos de transformações urbanas e sociais, ainda que identifiquemos o conservadorismo sempre latente por aqui; e o racismo onipresente na nossa sociedade, que a narrativa de Leite Derramado desmascara impiedosamente (basta ver a alegria da mãe de Eulálio com a perda dos traços inferiores e o embranquecimento da neta, e depois o progressivo e constrangedor escurecimento dos descendentes, que cada vez mais se identificam com a nossa população em geral).

Emocionante, crítico, de uma precisão assassina na linguagem, só se pode fazer um elogio que faça justiça a Leite Derramado: é tão bom quanto as melhores canções de Chico. E não é necessário dizer mais nada.

Texto do Prof.  Dr. Alfredo Monte para o Jornal A Tribuna

Papo na Estante 06 – Literatura Convencional X Internet

Hoje, Thiago Cabello, Ana Carolina e Eric Novello, batem um papo sobre a internet e a literatura. Até onde a internet influenciou a literatura? As redes sociais ajudam os autores? Com a era digital, os dias dos livros de papel estão contados? Isso e muito mais está nesse episódio polêmico e autal.

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Thiago Cabello:  Pos-Estranho

Ana Carol:  Fábrica dos Sonhos e Recanto das Letras

Eric Novello:  Fantastik

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Papo na Estante 05 – Neil Gaiman

Hoje, Thiago Cabello, Ana Carolina, Ana Cristina e Eric Novello, conversam sobre o cara que mudou o jeito de se fazer quadrinhos. Esse é o segundo Papo na Estante de autores, e falmos do grande fabulista Neil Gaiman.

Discutimos suas obras, sobre a polêmica quadrinho e literatura, sobre o plagio do Tim Hunter/Harry Potter. Se você curte esse autor, não deixe de escutar esse episódio.

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Thiago Cabello:  Stardust

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Papo na Estante 04 – As Autoras

Hoje o dia é delas,  Thiago Cabello (o intruso), Ana Carolina, Ana Cristina e Mônica Sicuro, conversam sobre as autoras da literatura especulativa. Em comemoração ao dia oito de março, esse papo na estante aproveita para congratular todas as mulheres do mundo das letras.

Falamos sobre como é difícil, até nos dias de hoje, uma mulher ganhar reconhecimento. Contamos algumas histórias de autoras que revolucionaram sua época. Tudo isso e muito mais nesse episódio um pouco diferente do Papo na Estante.

Hoje temos uma surpresa na leitura de e-mails! Você que nos enviou um e-mail, fique ligado!

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Thiago Cabello: Memórias de um Sobrevivente

Ana Carol: Frankenstein

Ana Cristina: O Melhor de Marion Zimmer Bradley
A Filha da Noite

Mônica Sicuro: Deltora Quest

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“O que o senhor teria feito?”

Uma trama como a de O leitor (cuja adaptação, a qual concorre a vários Oscars, incluindo melhor filme, foi dirigida por Stephen Daldry, responsável pelos competentes Billy Eliott e As horas) já apresenta de imediato um trunfo: uma personagem feminina enigmática e intensa que obseda o narrador em primeira pessoa e que mesmo não ocupando o centro do palco é a alma da história.
A Hanna do romance de Bernhard Schlink sob esse aspecto (e apesar das diferenças) pode ser vista como irmã da Capitu (de Dom Casmurro), da Sofia (de A escolha de Sofia, de William Styron, belíssimo romance que está completando agora em 2009 trinta anos), da Sarah (de Fim de caso, de Graham Greene), até mesmo da Macabéa (de A hora da estrela), entre outras. Não é à toa que a grande Kate Winslet mereceu tantos prêmios (e pode ganhar o Oscar) ao interpretar a cobradora de bonde de que mantém relações sexuais durante meses com um adolescente, Michael Berg, até sumir misteriosamente.
Poucos anos depois, quando Berg participa (como estudante de direito) de um caso onde são julgados criminosos menores do Nazismo, ele a reconhece entre os acusados: é a mais visada de um grupo de carcereiras de um campo de concentração, sendo vista como a líder e sobre quem recai a mais severa sentença.
O narrador sabe de um segredo que não inocentaria Hanna (que se mostra irredutível em não o revelar), mas que a isentaria da pecha de arrogância, desfazendo a impressão de liderança. Esse segredo tem a ver com o título e o papel que Berg ocupou e ocupará na vida de Hanna (ela é analfabeta, embora nunca o admita, e o faz ler os mais variados texto para ela, entre eles Guerra e Paz, antes dos rituais amorosos; quando ela está cumprindo pena, ele envia fitas com gravações de leituras, ainda que não queira ter contato direto com ela, a não ser perto do final).
Uma mulher que no fundo é uma vítima estúpida de um sistema que ela não tem meios de entender, preocupada em não expor as suas fraquezas, endurecida: obedecia às ordens, executava tarefas monstruosas, nunca teve domínio sobre sua própria vida e nunca compreendeu (a não ser anos depois) as linhas de força que a levaram a ser uma criminosa de guerra. O momento memorável do livro é quando o juiz a interpela quanto aos atos de que é acusada e ela, singelamente, pergunta a ele: “O que o senhor teria feito?”. Como comenta o seu ex-amante: “Ela não sabia o que devia ter feito de diferente, e por isso queria ouvir do juiz, que parecia saber tudo, o que ele teria feito”. E nós, o que teríamos feito? Porque, de fato, esse é o ponto: o que fazer quando é legalmente possível agir como um monstro, e ainda nem se saber que se está cometendo monstruosidades?
Se Hanna é o trunfo e a força de O leitor, Berg é o seu calcanhar-de-aquiles. Nos livros que mostram uma figura feminina fascinante, o relato extrai seu poder do fato de que o narrador acaba se revelando na medida em que se debruça sobre o feitiço da mulher sobre ele, Bentinho que o diga.
Berg anestesia o leitor de qualquer empatia, e sempre que Hanna sai de cena o relato se arrasta, adota um tom abafado, amorfo, principalmente porque ele nunca aprofunda colocações, experiências; às vezes temos o começo de uma reflexão que tem tudo para ser maravilhosa, e logo é truncada e se passa para o próximo item. Um exemplo: “… não quero ocultar a libertação que devo ao mergulho em direção ao passado, cuja significação para o presente é restrita. A primeira vez que a senti foi quando fazia um estudo sobre os códigos legais e seu delineamento no Iluminismo. Eram baseados na crença de que existe no mundo uma boa ordem, de que o mundo pode ser conduzido à boa ordem. Era uma felicidade, para mim, ver como os artigos do código penal foram produzidos como guardiões solenes da boa ordem, transformando-as em leis que se esforçavam por ser belas e, com sua beleza, dar provas de sua verdade. Durante muito tempo acreditei que há um progresso na história do direito, apesar de terríveis retrocessos… um desenvolvimento em direção à maior beleza e à verdade, à racionalidade e à humanidade. Desde que me ficou claro o fato de tal crença ser uma quimera, trabalho com outra imagem do percurso da história do direito. Nessa imagem, o percurso ainda se orienta para uma meta, mas a meta de que se aproxima, após diversos abalos, desorientações e fanatismos, é o seu próprio ponto de partida, de onde, assim que o alcança, precisa partir novamente.” E daí? Como isso se relaciona com as experiências relatadas? O que isso tem a ver com a presença de Hanna na vida dele?
Dizem que o texto de Schlink é “límpido”. Parece mais é medroso, optando por uma “limpeza” superficial. De fato, há um comentário esdrúxulo (retirado, vejam vocês, do The New York Times Book Rewiew), na capa de trás, dizendo que “fala direto ao coração”. Sem contar a besteira que uma afirmação dessas representa, só temos algo direto no coração quando Hanna irrompe com a sua verdade, que é também o seu enigma. Um narrador tão desinteressante não merece uma mulher como ela.
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Texto do Prof.  Dr. Alfredo Monte para o Jornal A Tribuna

Papo na Estante 03 – Distopias

Hoje, Thiago Cabello, Ana Carolina e Ana Cristina, conversam sobre as distopias. Você não sabe o que é uma distopia? Não conhece a trinca das distopias? Vai falar que nunca escutou falar em Admirável Mundo Novo, 1984 ou A Laranja Mecânica?

Esse episódio do Papo na Estante, discorremos sobre o que é, e o que faz de um romance, uma distopia. Existe distopias além da trinca brintânica, comprove…

A Ana Carol deixa uma resenha do 451, uma grande distopia que ficou fora da trinca. Confira!

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Thiago Cabello: Admirável Mundo Novo

Ana Carol: Fahrenheit 451

Ana Cristina: Não Verás País Nenhum / Fome

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